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Nem todo empreendedor é mercenário e nem toda solução de tecnologia visa eliminar empregos

Hello, Hello!

em tempos de polarização, é sempre bom lembrar que nem todo empreendedor é mercenário (pelo contrário, esses são a minoria) e nem toda solução de tecnologia visa eliminar empregos. Eu acredito que atividade empreendedora é um dos cinco principais vetores de desenvolvimento econômico e social e quando atrelada à inovação tecnológica, se torna a forma mais efetiva de transformação social e sustentação do estado de direito.

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Dito isso, vim aqui contar pra vocês sobre minha experiência na Amazônia e a final do XPrize Rainforest. Quero começar dando um pouco de contexto. A Fundação XPrize cria e organiza desafios para incentivar o desenvolvimento tecnológico em benefício da humanidade. A missão do XPrize é inspirar empreendedores e incentivar inovação e avanço tecnológico para resolver os maiores desafios do mundo.

Os desafios do XPrize geralmente oferecem prêmios de milhões de dólares para equipes que alcançam objetivos específicos, como desenvolver soluções de energia limpa, abordar questões ambientais, melhorar os cuidados de saúde ou avançar na exploração espacial. Várias inovações oriundas dos desafios do XPrize transcenderam seus objetivos iniciais, tornando-se soluções impactantes e duradouras em seus respectivos campos de atuação.

Em 2018, minha amiga Ana Lucia Vilella, co-fundadora do XPrize, foi convidada a participar do conselho de inovação e sua primeira contribuição foi de sugerir um desafio para mapeamento e monitoramento da biodiversidade de florestas tropicais. O restante do board foi adepto ao lançamento do desafio, iniciado em 2019. A Premiação? US$5Mi para o primeiro lugar, US$2Mi para o segundo e US$500mil para o terceiro. Os times vencedores serão aqueles que desenvolverem a melhor solução para mapeamento e monitoramento de 100 hectares de floresta da forma mais completa, autônoma e escalável possível. Esse desafio também é patrocinado pelo Alana Foundation, na qual Ana Lucia é Presidente.

Entender e medir ecossistemas tem a principal finalidade de encontrar formas de inserir as florestas na lógica econômica sem que elas precisem ser devastadas. Para isso, a humanidade precisa criar formas de atribuir valor a cada bioma e ecossistema. O mercado de crédito de carbono, por exemplo, segue essa lógica mas a falta de compreensão do que está por trás de cada crédito é o que traz uma maior dificuldade em precificar esses ativos e em difundir este instrumento de valorização de preservação ecológicas.

Cinco anos e muito trabalho depois, seis times finalistas compostos por biólogos, engenheiros, cientistas, conservacionistas, entusiastas e membros das comunidades locais se encontraram em Manaus para a final do XPrize Rainforest. Depois de apresentarem suas soluções, os times foram para o meio da floresta mostrar como suas inovações dão conta do desafio proposto.

 
Entender e medir ecossistemas tem a principal finalidade de encontrar formas de inserir as florestas na lógica econômica sem que elas precisem ser devastadas.

Soluções criadas

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Soluções criadas

A tecnologia desenvolvida pelos times consiste em combinações de hardware e software criada por equipes multidisciplinares de robótica, sensoriamento biométrico remoto, bio acústica, análise de DNA… Juntos, desenvolvem um framework de análise de biodiversidade capaz de investigar a diversidade de espécies de vegetais e animais sem deixar nenhum material inorgânico para trás. Os equipamentos capturaram dados e amostras físicas de solo, água, vegetais e animais para, depois de analisados, fornecer uma “avaliação da riqueza de espécies”.

1 As criações, em sua maioria, foram de dispositivos que, acoplados em drones, coletem dados bioacústicos, imagens e espécimes de insetos para depois serem identificados e classificados com ajuda de AI e Machine Learning.

Segundo a ilustração ao lado, o Limelight cilíndrico foi desenvolvido por uma das equipes e serve para coletar amostras de água, solo e ar e insetos e, quando recuperado, entrega aos pesquisadores o material e DNA a ser identificado e classificado.

Ao serem analisadas, essas amostras trazem informações genéticas (sequenciamento de DNA2) e biométrica-sensorias críticas para a compreensão da saúde e da dinâmica de ecossistemas. A quantidade de pontos de dados que podem ser coletados e cruzados para extrair insights e inteligência é enorme: temperatura, umidade, intensidade luminosa, qualidade do ar e concentração de gases (carbônico, oxigênio, metano, entre outros), componentes do solo, Ph e disponibilidade de nutrientes, monitoramento da fauna e flora (densidade espacial das árvores, nível de clorofila, nas plantas), movimentação e comportamento de animais e insetos, presença de virus, bactérias, protozoários, entre outros, identificação de espécies através da coleta de eDNA e iDNA, dados hidrológicos, ciclos de florescimento e reprodução de espécies, comportamento dos seres vivos de acordo com sazonalidade, entre muitos outros dados.

Por que agora?

Diversas plataformas e soluções existentes trazem funcionalidades relevantes para a construção das soluções descritas, mas somente com o monitoramento através de fotos e gravações. As tecnologias de sequenciamento de DNA estão revolucionando o estudo e monitoramento de biodiversidade e possibilitando a compreensão da dinâmica ecológica. Os primeiros estudos foram realizados entre 2012-2016 e a tecnologia começou a apresentar viabilidade comercial entre 2018-2022.

Para facilitar a compreensão do que é possível ser criado a partir do sequenciamento de DNA, eu trouxe um diagrama hipotético de camadas de soluções que quando combinadas e integradas, permitem um conjunto gigantesco de aplicações e modelos de negócios.

O fato é que ainda não existe uma solução única que integre perfeitamente todas as camadas mencionadas no diagrama acima, que apesar de hipotético (e criado por mim mesma), já é viável nos dias de hoje, dado que ou já existem soluções em cada uma das camadas ou já existe a possibilidade de criá-las.

O XPrize e o Alana Foundation dão o impulso que faltava para criar um novo modelo econômico que coloca a natureza e o saber dos povos no seu centro, garantindo a preservação das florestas e sustentabilidade para todo o ecossistema. Eles viabilizam a possibilidade da criação de bases de dados e informações coletadas de ecossistemas e biomas complexos (dados estruturados) que podem ser cruzados com fontes desestruturadas de dados e gerar uma quantidade inestimável de informações e valor agregado para diversas indústrias, políticas públicas, iniciativas para mitigação e adaptação a mudanças climáticas, monitoramento e controle de epidemias, entre tantos outros casos de uso e modelos de negócios.

 
 
Essa camada de Foundational Model já existe?

Eu entendo que ainda não existe um foundational model adequado para a bioeconomia e, portanto, a oportunidade de criação de valor sobre esses modelos pode ser enorme. Os LLMs enfrentam desafios com propostas que envolvem bases de dados complexas, diferenciadas e que exigem profundo conhecimento especializado, de domínio e, principalmente, julgamento contextual.

Ou seja, para que a bioeconomia possa contar com essa camada, os algoritmos terão que ser treinados com os dados pertinentes a ela. Unir esses mesmos que estão sendo coletados agora e outras inúmeras bases já existentes, além do conhecimento científico e dos povos da floresta – imprescindível. Só assim para que o modelo entenda o contexto que estamos falando e saiba como trabalhar de verdade e como se deve com variáveis e bases de dados.

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Casos

Algoritmos treinados com extensas bases de dados sobre o funcionamento de ecossistemas e monitoramento da evolução de fenômenos naturais ao longo do tempo podem ajudar os cientistas a esclarecer, remediar, mitigar e previnir desastres ecológicos e epidemias. A degradação das florestas tropicais por queimadas e ação do homem tem aumentado o risco de doenças infecciosas e epidemias causadas por animais que antes viviam longe do convívio do homem.

A proliferação da malária é uma suspeita bastante relevante. Os cientistas já sabem que os mosquitos não são os únicos transmissores de doenças às pessoas e que 60% das novas doenças infecciosas – incluindo o HIV, o Ébola e o Nipah, são originadas em animais que vivem nas florestas. A Ecohealth Alliance descobriu que um em cada três surtos de doenças novas e emergentes está ligado a alterações no uso do solo, como desmatamento.

Outro exemplo é a proliferação do virus Lassa na Libéria onde observou-se que clareiras florestais para plantações de óleo de palma atraem hordas de ratos, que normalmente vivem nas florestas, por causa da abundância de frutos de palmeira em torno das plantações e povoações. Os humanos contraem o vírus Lassa quando entram em contato com alimentos ou objetos contaminados com fezes ou urina desses ratos portadores do vírus.

Além das doenças conhecidas, os cientistas temem que uma série de doenças ainda desconhecidas possam ser expostas à medida que as pessoas avançam e que o clima aquece criando ambientes propícios para a proliferação de virus e hospedeiros.

 
 
 
Se pensarmos no potencial do restante da floresta, veremos que é inesgotável, se manejado de forma sustentável.

...E usos

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...E usos

Já existe uma corrente científica que propõe a criação de mecanismos de incentivo para as regiões, países e indivíduos que investem esforço na contenção de doenças, semelhante ao funcionamento do mercado de crédito de carbono. Ou seja, se existe forte causalidade entre desmatamento e doenças infecciosas, e sabemos o quanto custa o tratamento e cuidados de pessoas infectadas, por que não compensar os ganhos com o desmatamento para que não exista incentivos ao mesmo?

Carlos Nobre – climatologista e o único cientista brasileiro a fazer parte da Royal Academy – mostra que existe um caminho possível para criar uma economia baseada na preservação da floresta e na valorização dos bens da biodiversidade. E esta jornada se torna real justamente por causa da existência de tecnologias acessíveis como genética, nanotecnologia, além de IA, IoT e blockchain, entre outros.

Assim como o crédito de carbono, o conhecimento genômico poderá ser armazenado em blockchain. Cada país registrará o sequenciamento genético de suas espécies, criando uma reserva de conhecimento, facilitando a divisão justa de benefícios para aqueles que detêm recursos e conhecimentos tradicionais, reduzindo também a biopirataria.

Um exemplo de mercado criado ao redor de um produto extraído da floresta é o mercado de açaí – que hoje já é global e movimenta bilhões. Esse mercado tem potencial para crescer ainda mais, com a comercialização do óleo da semente do açaí e do palmito. Se pensarmos no potencial do restante da floresta, veremos que é inesgotável, se manejado de forma sustentável. Outro exemplo que já mostrou viabilidade econômica: substância chamada espilantol, que é encontrada no jambu e tem sido usada em diversos cremes dentais, antiinflamatórios, anestésicos e antirrugas.

Ainda são pouquíssimos produtos que tem valor de mercado, mas assim como o açaí, o Brasil pode desenvolver novas cadeias produtivas com a criação de laboratórios dentro da Floresta Amazônica empoderando comunidades, populações ribeirinhas, grupos indígenas e universidades locais.

Eu entendo que nós temos hoje todo o stack de tecnologia disponível para criar conhecimento estratégico e modelos econômicos ao redor de dados extraídos das florestas e dos diversos ecossistemas existentes no planeta. Isso por si só, pode ser suficiente para manter as florestas de pé e evitar novos impactos mais devastadores oriundos do aquecimento global. Além disso, como já sabemos ser inevitável o aumento da temperatura do planeta, essa tecnologia e modelos serão fundamentais para monitoramento de um conjunto grande de variáveis que são essenciais para a nossa própria existência e, hoje, ou não são monitoradas ou não são agregadas a outras bases de dados.

Sem contar os exemplos viáveis sobre como esses dados poderão dar origem a outros modelos de negócios e possibilidade de comercialização de produtos extraídos de forma sustentável das florestas tropicais, beneficiando várias indústrias e cadeias de valores (alimentos, produtos químicos e farmacêuticos, entre outras), desenvolvendo outras vertentes de biotecnologia, e garantindo renda para os povos da floresta – os maiores responsáveis para a conservação e preservação do Bioma – e desenvolvimento econômico para as regiões próximas.

Há uma série de oportunidades muito mais prósperas e melhores para toda a população – e investidores – do que as que promovem o desmatamento de nossos biomas. Eu acredito nestes novos caminhos e a Fundação XPrize e Alana só provam que temos um mercado inestimável – o de preservar – sob nossos olhos e não estamos – ainda – dando a devida atenção.

Referências

1 https://www.teamwaponi.org/our-solution
2 Tecnologias de sequenciamento de DNA: eDNA permite a coleta de material genético do meio ambiente, fornecendo informações sobre as espécies e a biodiversidade do ecossistema. O iDNA permite monitorar indiretamente a vida selvagem através da coleta de material no sangue e fezes de parasitas – sanguessugas, mosquitos, moscas, carrapatos, entre outros e no esterco de qualquer animal da floresta. Além de dar pistas sobre as cadeias alimentares, o iDNA também identifica doenças causadas por virus, bactérias e protozoários. 

Vamos juntos?

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