Hello, Hello!
A agenda mais essencial para a Humanidade e, infelizmente, a que menos recebe a devida atenção.
Semana passada, estive no Summit do Kauffman Fellows em Montreal. Reencontrei fellows, amigos, e fiquei sabendo o que cada um está fazendo ao redor do mundo. Participei de conversas muito enriquecedoras sobre novas estratégias de venture capital e teses de investimento. Além disso, o evento contou com empreendedores canadenses que compartilharam ideias sobre seus modelos de negócios. Fiquei particularmente impressionada com a apresentação do Fred Lalonde, CEO e fundador da Deep Sky, uma clean tech canadense que está desenvolvendo tecnologia para captura de carbono.
Até aquele momento, eu acreditava que a tecnologia de captura de carbono desviava o foco do combate ao desmatamento. Imaginava que o objetivo deveria ser desmatamento zero, permitindo que a natureza continuasse cumprindo seu papel de remover o carbono da atmosfera. A apresentação de Fred foi reveladora, mostrando que, infelizmente, esse cenário já não é viável.
Fred apresentou dados e gráficos que não só me surpreenderam, mas também me deixaram apreensiva. A solução para evitar um colapso climático depende de uma tecnologia altamente complexa e com grandes desafios de financiamento.
Vamos aos fatos:
Abaixo estão listadas as inúmeras convenções em que as principais nações do mundo se reuniram para discutir acordos de controle e redução de emissões de CO2. Desde 1979, esse tema tem sido abordado em encontros entre governos globais. No entanto, não só falhamos em reduzir as emissões como também, nos últimos três anos (2022- 2024), houve um aumento acentuado na concentração de gases de efeito estufa.
E agora? Quais as consequências?
Para tentar responder a essa questão, cientistas analisaram períodos em que a Terra apresentou concentrações de CO2 semelhantes às de hoje. Embora a medição do CO2 na atmosfera tenha começado em 1960, já existiam tecnologias capazes de mensurar a qualidade das bolhas de ar aprisionadas no gelo da Antártida, fornecendo dados atmosféricos de milhões de anos atrás.
Não há registros de níveis de CO2 superiores a 300 PPM (partes por milhão) nos últimos 10 mil anos. Porém, se voltarmos a 8 milhões de anos, durante o Plioceno, o planeta apresentou níveis de CO2 semelhantes aos atuais, mas com temperaturas cinco graus acima da média pré-industrial.
Como, com a mesma concentração de CO2, estamos atualmente com médias de temperatura elevadas entre 1,5 e 2,0 graus, em vez dos +5 graus do Plioceno?
Fred trouxe dois pontos essenciais:
Existe um atraso de 25 a 35 anos entre as emissões de CO2 e o aquecimento atmosférico, o que significa que a temperatura média atual e os eventos climáticos que estamos vivenciando estão relacionados ao nível de CO2 de décadas atrás.
O CO2 permanece na atmosfera por períodos que variam de 300 a 10 mil anos. Em outras palavras, mesmo que parássemos de emitir CO2 imediatamente, os efeitos dessa transição só começariam a ser percebidos em cerca de 100 anos, e levaria outros 200 anos para que os resultados fossem plenamente notados. Ou seja, seriam necessários 300 anos, a partir do momento em que atingíssemos emissões zero, para que as temperaturas globais retornassem aos níveis pré-industriais.
O gráfico abaixo mostra que os níveis de CO2 entre 2023 e 2024 estão significativamente fora do padrão apresentado em anos anteriores.
Por que estamos vendo uma aceleração do aumento das temperaturas se as emissões crescem de forma linear?
O planeta tem um ciclo natural de liberação e captura de carbono. Tanto os ecossistemas terrestres quanto os oceanos têm um balanço negativo, o que significa que absorvem mais carbono do que liberam. Isso ajuda a compensar parte das emissões humanas. No entanto, a linha vermelha no gráfico abaixo demonstra que a concentração de CO2 na atmosfera está crescendo a uma taxa maior do que o volume de emissões gerado pelo homem (barras brancas).
O ponto preocupante é que o planeta parece estar perdendo sua capacidade de absorver o CO2 na mesma medida que fazia no passado. Fred Lalonde argumenta que o ciclo natural de carbono da Terra pode estar comprometido.
O gráfico abaixo mostra que o volume de hectares de florestas queimadas em 2024 superou os níveis históricos, o que reduziu ainda mais a capacidade natural de absorção de CO2.
Segundo o site Our World in Data, cada região do globo contribui para as queimadas de 2012 a 2024 de forma distinta.
As projeções mais otimistas indicam que chegaremos a um total de 520 PPMs de carbono na atmosfera antes que possamos começar a reduzir a concentração naturalmente. Dada a persistência de partículas de CO2 na atmosfera por até 300 anos, isso significa que teremos um excedente de carbono atmosférico de 1.000 gigatons que precisará ser removido.
Se esse excesso de carbono não for sequestrado, o efeito estufa terá consequências severas na saúde e na economia globais. Algumas projeções indicam um período de recessão prolongada, com impacto negativo de 10% ao ano no PIB global, caso o aquecimento alcance 3 graus (atualmente, estamos entre +1,5 e +2,0 graus). As consequências de um aumento de 5 graus são inimagináveis.
Quais são as soluções disponíveis?
Atualmente, há poucas soluções, e nenhuma delas em escala suficiente para resolver o problema. O desafio é duplo: remover 1.000 bilhões de toneladas de CO2 e armazená-las. Nada absorve carbono nessa escala. De acordo com os estudos apresentados por Fred, a remoção desse montante de CO2 da atmosfera exigiria uma quantidade de energia equivalente à que consumimos hoje no planeta. Atualmente, metade da nossa demanda energética ainda é suprida por combustíveis fósseis, o que significa que precisaríamos dobrar a capacidade de geração de energia limpa para interromper as emissões. Somando-se ao esforço de captura de carbono, precisaríamos quadruplicar a atual capacidade de geração de energia sustentável.
A transição energética já está em andamento. Em 2023, a China instalou mais painéis solares do que todo o parque existente nos EUA até hoje, o que contribui para a redução de custos e ganhos de escala. No entanto, ao contrário do gás natural, carvão e gasolina, a produção de energias renováveis não pode ser controlada ou modulada. Estima-se que teremos um excedente de produção de energia solar no mundo além da capacidade das redes elétricas de absorver e distribuir essa energia. Esse excedente poderia ser utilizado para captura de carbono, o que significa que a questão energética estaria parcialmente equaciona.
Ainda falta resolver o armazenamento de CO2. Há duas maneiras de lidar com isso:
1. Armazenamento geológico de CO2 (CCUS): tecnologia desenvolvida na década de 1970 pela indústria petrolífera, originalmente para aumentar a eficiência na extração de petróleo, com o benefício adicional de sequestrar carbono. A Petrobras tem o segundo maior programa de captura geológica em operação, sequestrando cerca de 10,6 milhões de toneladas de CO2 por ano, atrás apenas dos EUA, que capturam 50 milhões de toneladas por ano. No entanto, para que essa tecnologia seja usada em larga escala, será necessário um investimento significativo.
2. Mineralização do CO2: uma tecnologia experimental que solidifica o CO2, aumentando a segurança de que ele não retorne à atmosfera. Embora promissora, essa técnica ainda é muito cara.
A captura de carbono por CCUS em locais de emissões industriais custa, em média, entre US$ 40-120 por tonelada capturada, enquanto a captura direta do ar (DAC) é muito mais cara, variando entre US$ 500-1.000 por tonelada. Espera-se que, assim como aconteceu com os painéis solares, o custo da tecnologia de captura de carbono diminua com o tempo. Fred mencionou que a primeira geração de DACs custava US$ 3.200 por tonelada de CO2, e as estimativas são de que esse valor cairá para US$ 150 por tonelada em dois anos e US$ 100 por tonelada em cinco anos.
O ponto preocupante é que o planeta parece estar perdendo sua capacidade de absorver o CO2 na mesma medida que fazia no passado.
A questão fundamental é: quem vai pagar por isso? Quem comprará as toneladas sequestradas de carbono?
Embora muitas indústrias altamente poluidoras tenham se comprometido com metas de redução de emissões e migração para energias renováveis, poucas assumiram a responsabilidade pelo sequestro do CO2 acumulado na atmosfera. Além disso, ainda não existem instalações com capacidade suficiente para remover esse excedente.
Para sequestrar 1.000 gigatoneladas de carbono em 50 anos, seria necessário capturar cerca de 20 bilhões de toneladas por ano, o equivalente à metade das emissões atuais. Ou seja, precisaríamos zerar as emissões e ainda ter capacidade de sequestrar uma quantidade equivalente à metade das emissões globais.
A demanda por capacidade instalada de captura de carbono é tão grande que pode ser comparada à indústria bélica. Dado o impacto potencial sobre a segurança global, o problema é visto como uma questão de segurança nacional. Nos Estados Unidos, o orçamento militar já foi de mais de 10% do PIB no passado.
Essa é a dimensão do problema e da solução que ele demanda. Nada fácil. Entretanto, extremamente crucial para toda a Humanidade.